O Jardim Botânico estava tranquilo. O cheiro de terra molhada trazia uma paz que parecia antiga. Mário observava as árvores altas e perguntou: “Professor, sempre ouço dizer que os nossos antepassados eram muito ligados aos espíritos. Isso era religião ou tradição?”
Mahlemba sorriu. “Era vida, Mário. Há mais de mil anos, antes de chegarem as religiões estrangeiras, os povos destas terras já acreditavam que tudo tinha alma, a árvore, a água, a montanha, o fogo. Não havia separação entre o sagrado e o cotidiano. As pessoas viviam em diálogo com a natureza, porque sabiam que dela dependiam.”
“Então os espíritos estavam em todo lado?” perguntou Mário.
“Estavam em tudo o que respirava,” respondeu o professor. “Chamavam-lhes mizimu, makolo, vadzimu, conforme a região. Eram os antepassados, guardiões invisíveis da harmonia. As casas do espírito pequenos templos junto às machambas ou rios, eram lugares de conversa, não de medo. Ali pedia-se chuva, saúde, colheita, perdão. Mas mais do que pedir, aprendia-se a agradecer.”
Mário escutava com atenção. “Parece uma filosofia de equilíbrio.”
“E era,” disse Mahlemba. “A vida não se explicava, respeitava-se. O homem sabia que não dominava a terra; era parte dela. Por isso, a sabedoria antiga não produzia lixo nem solidão. A riqueza estava em viver sem romper o fio da harmonia.”
Mário ficou em silêncio. “Hoje fazemos o contrário, professor. Exploramos o que devíamos proteger e esquecemos de agradecer.”
Mahlemba assentiu. “É o preço de termos substituído a reverência pela pressa. A espiritualidade antiga não era rezar muito, era viver bem. E talvez a crise do nosso tempo não seja de fé, mas de sentido.”
Mensagem final: Antes dos templos, havia respeito. Antes das preces, havia gratidão. E quem volta a ouvir a terra, reencontra o seu próprio espírito.
