O Café Scala fervilhava de vozes e música. No palco pequeno, um saxofone tocava uma melodia que lembrava as noites antigas da cidade. Mário mexia a chávena de café e perguntou: “Professor, depois de tanta separação, quando é que começou a convivência entre os dois mundos?”
Mahlemba respondeu com um olhar distante: “Por volta do ano 1940, Mário.
A cidade crescia, e com ela crescia também a necessidade de quem a fazia funcionar — os trabalhadores africanos. Vieram do interior, do norte, das zonas rurais, e trouxeram consigo a língua, o ritmo, o tempero e o riso.
As fronteiras sociais ainda existiam, mas o contato tornou-se inevitável.”
Mário inclinou-se. “E como era essa convivência?”
“Era uma convivência vigiada,” disse o professor. “O africano podia trabalhar na cidade, mas tinha de regressar à periferia ao fim do dia. Os cafés, os cinemas, as praias — quase tudo tinha lugar marcado. Mas mesmo dentro dessa desigualdade, nasciam pontos de encontro invisíveis: a música, o futebol, a comida de rua, os mercados.”
“Então a cultura juntava o que a política separava?”
“Exatamente,” respondeu Mahlemba. “No meio do controle, floresceu a criatividade. As guitarras misturaram-se aos tambores, o português ganhou sotaques novos, as roupas combinaram o pano com o fato. Nascia ali o estilo moçambicano — feito de resistência, beleza e adaptação.”
Mário sorriu. “É curioso, professor. Mesmo quando nos tentam calar, acabamos a criar.”
Mahlemba riu suavemente. “Porque a cultura, Mário, é a forma mais inteligente de resistência. Ela não grita, mas transforma. E foi nessa mistura — entre o imposto e o improviso, entre o proibido e o permitido — que o espírito do país começou a encontrar a sua voz.” O saxofone tocou mais alto.
Mário olhou pela janela, onde as luzes da cidade dançavam sobre o asfalto.
“Talvez essa voz ainda esteja viva, professor — só precisamos escutá-la outra vez.”
Mahlemba assentiu. “Sim, Mário. Ela nunca morreu. Só ficou coberta pelo barulho.”
Mensagem final: Da convivência forçada nasceu a criatividade. E das contradições da cidade nasceu o ritmo do país. A cultura é o milagre que transforma dor em identidade.











































